O Voto Como Reflexo Psicológico: Do Desencanto à Radicalização
- Daniela Santos
- há 4 dias
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Nota: Este artigo não promove nem endossa qualquer partido político. Trata-se de uma reflexão psicológica e sociopolítica sobre os fatores que levam pessoas a aproximar-se de opções políticas mais radicais em contextos de frustração, medo ou perceção de abandono.
Os resultados das eleições legislativas de 2025 em Portugal confirmaram uma tendência que já se observa noutras democracias: um número crescente de eleitores está a afastar-se do centro político e a aproximar-se de propostas mais radicais. Com 22,6% dos votos e o mesmo número de deputados que o Partido Socialista, o partido Chega conquistou resultados expressivos — até em distritos historicamente ligados a plataformas moderadas ou progressistas. Esta mudança não é apenas política — é profundamente psicológica, enraizada em mecanismos como a privação relativa, a dissonância cognitiva, a perceção de ameaça e a identidade social.
Para muitos eleitores, o apoio a partidos radicais não decorre de uma mudança ideológica consciente, mas de uma desilusão acumulada.
A teoria da dissonância cognitiva ajuda a compreender esta reação: quando alguém que se identificava com o sistema tradicional opta por uma proposta que o desafia, sente desconforto interno. Para reduzir essa tensão, reconfigura a narrativa: “já tentei todos os outros e nada mudou.” Este ajustamento é reforçado pelo sentimento de privação relativa — a perceção de que se tem menos do que se merece ou menos do que os outros, mesmo sem estar em situação de pobreza extrema.
É essa perceção de injustiça que alimenta a frustração.
O desemprego, a dificuldade em aceder à habitação ou aos serviços públicos de saúde criam um cenário de insegurança que ativa o sistema de defesa do cérebro.
A teoria da ameaça mostra que, perante mudanças rápidas — sejam económicas, culturais ou sociais — as pessoas tendem a procurar proteção em figuras e discursos que prometem controlo e autoridade. Muitas dessas decisões não nascem da razão, mas da emoção — do desejo de restaurar segurança pessoal e coletiva.
Esse impulso emocional está também ligado à procura de culpados. Em psicologia, chamamos mecanismo de projeção ou scapegoating — quando se transfere a frustração para um alvo externo. É mais fácil lidar com o mal-estar se houver um responsável identificado.
As narrativas radicais oferecem isso: apontam o dedo aos imigrantes, às elites, aos políticos, aos “de fora”. E, ao fazê-lo, organizam o caos em histórias simples.
Com o tempo, esse discurso deixa de soar radical. O que antes era considerado extremo começa a parecer normal. A repetição — nas redes sociais, nos grupos de mensagens, nos debates — reduz a resistência moral. O processo de normalização do discurso radical é subtil, mas eficaz: dilui os limites do aceitável, e transforma o preconceito em senso comum.
Neste contexto, o papel da identidade e da pertença ganha força.
A psicologia social mostra que o sentimento de fazer parte de um grupo, ou sentimento de pertença — nacional, cultural ou simbólico — é essencial ao bem-estar humano. Quando sentimos que essa identidade está a ser apagada ou ameaçada, tornamo-nos mais defensivos. As propostas radicais constroem uma narrativa de “nós contra eles”, e oferecem uma ideia reconfortante: recuperar a soberania, restaurar o orgulho, proteger “os nossos”. Para quem se sente esquecido ou irrelevante, é uma forma de voltar a pertencer.
Esta viragem não é exclusiva de Portugal. Em países como Itália, Hungria, Argentina ou Países Baixos, vemos um padrão semelhante: os eleitores afastam-se do centro político e procuram respostas em discursos que refletem os seus medos.
A neurociência política mostra que o medo e a incerteza ativam zonas do cérebro ligadas à aversão ao risco, levando o eleitor a preferir soluções que oferecem firmeza, clareza e força — mesmo que venham dos extremos.
O que esta tendência revela é algo mais profundo: as democracias estão a falhar em responder às necessidades emocionais das pessoas.
O discurso técnico, racional e moderado muitas vezes não ressoa num mundo onde domina a instabilidade. Enquanto os partidos tradicionais falam para a mente, os discursos radicais falam diretamente ao coração. E, na ausência de ligação emocional, é o ressentimento que ocupa o centro.
O voto em partidos radicais não é sempre um voto de convicção — muitas vezes é um pedido de reconhecimento.
Uma tentativa de recuperar autonomia num sistema que parece distante. Uma forma de encontrar significado e controlo num mundo que já não parece familiar.
Porque quando se deixa de acreditar que a democracia protege, o que se procura já não são ideias — mas segurança emocional.
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