“Debaixo do Blazer, um Coração em Chamas” – Uma Short Story
- Daniela Santos
- 3 de abr.
- 3 min de leitura

Diana Mendes apertou o botão do blazer cinzento, olhou-se ao espelho e sorriu com a segurança de quem sabe que tem um dia importante pela frente. Às 9h em ponto, apresentaria à direção internacional os resultados do último trimestre. A sua equipa tinha batido metas, inovado processos e ganho um novo cliente de alto perfil.
Era CEO adjunta de uma empresa financeira com escritórios em Lisboa e Madrid. Chegara ali por mérito, visão estratégica e uma força de trabalho que, muitas vezes, vinha das madrugadas em que conciliava planilhas e fraldas.

No quarto ao lado, a filha mais nova, Inês, de 4 anos, pedia para usar o vestido de princesa. O mais velho, Tomás, já se preparava para a escola, mochila às costas, sempre curioso.
— “Mãe, tens mesmo de trabalhar tanto?”Ela ajoelhou-se ao nível dele e respondeu:— “Trabalho para que tu e a tua irmã saibam que podem ser o que quiserem. E hoje, a mãe vai mostrar ao mundo o que conseguimos juntos.”
Tomás sorriu. Era esse tipo de resposta que fazia tudo valer a pena.
A Reunião, os Números e os Silêncios
A apresentação correu impecavelmente. Diana falava com firmeza, com domínio absoluto dos dados e com aquela centelha de paixão nos olhos. Mas quando terminou, um silêncio estranho percorreu a sala.
— “Os resultados são impressionantes”, disse o diretor de Nova Iorque. “Mas com todo o respeito… como consegue manter este nível de desempenho sendo mãe de dois?”
Diana conteve o impulso de rir. Já ouvira aquela pergunta antes. De formas mais disfarçadas, ou até mais ofensivas. Agora, respondia com elegância cirúrgica:
— “Com o mesmo foco e estratégia com que lidero esta empresa. Maternidade não me distrai. Ensina-me. Dá-me propósito. E, acima de tudo, não é um ‘apesar de’. É um ‘por causa de’.”
Viu algumas cabeças acenarem. Mas outras… hesitaram.

Um Mundo a Recuar
Nas últimas semanas, Diana vinha acompanhando com inquietação as notícias dos Estados Unidos. Grandes bancos a cortar iniciativas de diversidade. A administração a desmantelar programas de inclusão. E o discurso que antes incentivava a escuta das mulheres… agora incentivava o silêncio.
Ela sentia as ondas desse recuo atravessarem o Atlântico. O ambiente mudava subtilmente: menos espaço para falar sobre equidade, mais discursos sobre “mérito puro” — como se o mundo fosse neutro.
Num jantar com uma amiga que trabalhava numa multinacional americana, ouviu:— “Acabaram o programa de mentoria só para mulheres. Disseram que agora é cada um por si.”
Diana não queria um mundo em que a próxima geração tivesse de lutar tudo de novo. Então, decidiu que não ia baixar a voz. Ia erguê-la — com dados, com resultados, com histórias.
A Força Invisível
Nessa noite, já em casa, leu uma história para os filhos, arrumou os brinquedos e respondeu a dois e-mails importantes. Depois, pegou no caderno onde anotava pensamentos e rabiscou:
“Resiliência não é suportar tudo. É saber o que vale a pena lutar.”
Ela sabia que não era apenas sobre o lugar dela. Era sobre todas as outras Dianas que viriam depois. Mulheres que não queriam escolher entre ambição e maternidade. Que queriam ser intensas e presentes, determinadas e ternas — tudo ao mesmo tempo.
A Carta Que Não Enviou… Mas Viveu
Na semana seguinte, foi convidada a dar uma palestra sobre liderança feminina. Pensou em preparar um discurso, mas acabou por apenas contar a verdade:
— “Sou mulher, mãe e líder numa empresa financeira. Já ouvi de tudo. Já me questionaram, minimizaram, desvalorizaram. E continuo aqui. Porque acredito que o futuro precisa da nossa voz. Mesmo quando tentam calá-la. Porque as decisões certas não são sempre as mais fáceis. Mas são as que mudam o jogo.”
Foi aplaudida de pé.

E no Dia Seguinte…
Diana levantou-se cedo. Um novo projeto esperava. Uma nova fase. Mais desafios.
Mas antes de sair, olhou os filhos ainda a dormir, e prometeu em silêncio:
— “Vou continuar. Por mim. Por vocês. Por todas nós.”
Porque debaixo daquele blazer, havia um coração em chamas. E ninguém ia apagá-lo.
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